Acho que uma das coisas mais difíceis de lidar é quando nos perdemos de nós mesmos. No meu caso me perdi por causa de uma doença que eu já havia tido antes, mas que durou apenas alguns meses. Dessa vez, não chegou da mesma forma, e nem com a mesma intensidade.
Há pouco mais de quatro anos eu a vi entrando na minha vida novamente, mas com uma força que eu nunca havia sentido, e com sintomas que iam além daquela tristeza constante. Eu me sentia possuída por uma força que eu não tinha controle.
Era uma irritação fora do normal. Eu maltratava quem eu mais amava, e falava e fazia coisas que não faziam parte de mim. E nesses momentos eu me sentia uma mera espectadora daquela força que me dominava e ia destruindo minha vida, e eu simplesmente não conseguia controlar, é como se realmente eu tivesse alguém dentro de mim, eu olhava no espelho e não me reconhecia.
Eu pedi socorro para me livrar daquela coisa, mas ninguém entendia o que estava acontecendo, e pior eu não conseguia descrever. Até pedi para terapeutas explicarem o que acontecia com essa falta de controle sobre o que eu fazia, mas mesmo assim quem eu mais precisava, não acreditou no descontrole que eu tinha das atitudes, e que eu precisava do único remédio que realmente cura, mas me foi negado, e no seu lugar ficou o veneno da rejeição, do abandono e da solidão. Mas só compreende isso, quem passa por isso, quem nunca passou, não tem culpa por não conseguir entender.
Com o passar do tempo eu me sentia cada vez mais longe de mim, e cada vez mais sozinha nessa batalha. Eu não tinha mais a mim, ali eu havia me perdido e em questão de poucos meses eu já havia perdido meu lugar seguro no mundo.
Cada vez mais sozinha, pedindo ajuda. Mas parece que quanto mais eu pedia, menos as pessoas que me cercavam entendiam. É a sensação de estar dentro do próprio corpo, mas outra pessoa comanda-lo.
“Ela” tirou de mim minha fome de viver, minha alegria, meu porto seguro, perdi o amor. E me vi sozinha dentro do que era um sonho compartilhado de quatro paredes. Vi as paredes coloridas virarem cinza. Não conseguia mais entrar naquele quarto. Foi quase um ano dormindo no sofá. Até que depois de passar por vários terapeutas (de todas as vertentes possíveis), um me convenceu a voltar a dormir no quarto.
Naquela noite, mesmo com remédios para dormir, não preguei os olhos, passei mal a madrugada inteira, e pela manhã pedi ajuda. O físico já estava deteriorado, mas eu senti que quem me socorreu achou que era mentira, um jeito de chamar atenção. Não era.
Depois de um tempo já perdida de mim, um sonho que virou pesadelo, foi a vez “dela” destruir minha carreira.
Eu já não conseguia comer, os remédios pareciam não fazer mais efeito, e naquele momento eu não conseguia nem sair de casa. Eu já não sabia mais sorrir.
A Ju que conheciam, já não existia mais. No meu corpo já não havia mais vida, virou apenas uma máquina orgânica funcionando de forma inata.
E eu continuava sendo apenas uma espectadora, dentro de um corpo que não me pertencia mais, era só “dela”.
Anos se passaram, e foi só escuridão e dor. Realmente não tinha mais sentido continuar desse jeito. Mas pensando assim, mais distante eu ficava de voltar.
Com uma força que eu não tinha, fui tentar fazer coisas que eu gostava… mas nada tirava o domínio “dela” sobre mim.
Percebi que estava disfuncional em todos os sentidos, a ponto de não conseguir tratar de nenhum assunto. É como se eu tivesse perdido a capacidade de raciocínio. E num sábado à tarde, simplesmente acabei com a última coisa que ainda tinha da minha vida anterior. Meu carro deu de frente com uma árvore, e ali ele ficou, para não mais voltar.
E a verdade é que a vida seguiu para todo mundo, menos para mim.
Há pouco mais de dez dias atrás, eu ingressava num retiro, sem saber realmente o que me aguardava.
Na segunda roda de cura, eu fui ao chão literalmente, é como se a energia vital tivesse sido arrancada do meu corpo. Eu não tinha forças para me mexer, e a respiração foi ficando fraca… até que ele chegou, cuidou de mim, me abraçou e ficou ali, ao meu lado até que eu voltasse, não sei quanto tempo se passou.
Ele me olhou nos olhos e falou algumas palavras que viraram o meu mantra. Mas eu não conseguia nem responder, nem dizer o meu nome, simplesmente meu esforço todo estava em voltar a respirar.
Quando as forças voltaram ele estava ali, abraçado comigo, e naquele momento, nos braços dele eu chorei sem limites: alto, escorriam todas as lágrimas contidas desses anos de cárcere interno.
Ficamos abraçados até eu conseguir parar de soluçar, então ele me olhou nos olhos, e consegui ver que ele me compreendia, ele já havia passado por tudo aquilo também. E naquele instante eu senti que todos que estavam ao redor sentiam a mesma coisa, não havia julgamento, nem rejeição… só havia amor.
Era só o que eu precisava durante esse tempo todo, o melhor remédio… o amor.
Saí daquele lugar mágico, para continuar retomando o que eu mais queria: a Juju.
Durante quatro dias vaguei sozinha por uma cidade que eu não conhecia. Caminhei para me encontrar. Dancei à noite no Pelourinho, e não parei nem quando começou a chover, eu estava lavando minha alma.
E dali meu rumo foi partir para minha jornada de superar medos e crenças que não serviam mais.
Eu tinha medo de trilha, o que atrapalhou muito a minha vida, perdi oportunidades, fui mal compreendida por não falar tão abertamente sobre isso.
Mas quando eu cheguei, há seis dias atrás, eu estava determinada a mudar essa história. Era por mim.
Nesses últimos cinco dias (usei o primeiro só para descansar e andar sem rumo conhecendo outra cidade), foram mais de 50 km de trilhas, contemplando a paisagem, tomando banhos de cachoeira, nadar nos rios e lagoas, e não “panicar” com sapos, cobras e vários insetos (entre eles escaravelhos enormes, e ali lembrei que em algumas culturas ele representa renascimento).
Então percebi que minhas trilhas não foram apenas para superar meus medos, mas para parar e ver os sinais da natureza, ela dá respostas, te equilibra.
As próximas “trilhas” serão dentro de mim, e é aqui que essa Ju se encontra com a Juju (Jujuca, Jubis, Julihelena, Juliete, “pequena”, ou só Ju), que estava tão escondida.

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